Um bloco mais coeso e forte na Europa

Interview with Hans-Werner Sinn, Exame (PT), 05.12.2012, p. 10

A saída para a atual crise vai impor uma nova arquitetura política aos países da União Europeia. A solução envolve uma integração ainda mais radical, com a unificação de parlamentos, orçamentos e até exércitos  

ANDRÉ FAUST, DEMUNIQUE

Munique - Hans-Werner Sinn é o economista mais influente da Alemanha. Por sua participação em debates públicos nas últimas três décadas, já foi chamado pelo semanário Die Zeit de “sismógrafo econômico” da Alemanha. Com sensibilidade para antecipar grandes mudanças, Sinn é ouvido pelas diferentes forças que compõem o espectro político alemão.

O status de intelectual independente, no entanto, também atrai críticas de todos os lados. Por desavenças em torno da concessão de benefícios sociais, foi apelidado pelo ex-premiê social-democrata Gerhard Schröder de “Professor Unsinn” (algo como “Professor Absurdo”). Com a conservadora Angela Merkel, o relacionamento ia bem até julho, quando Sinn liderou uma campanha contra as decisões da cúpula da União Europeia. Em seu escritório em Munique, Sinn deu a seguinte entrevista a EXAME.

EXAME - A atual crise na Europa pode ser considerada uma prova de que o projeto inicial do euro não era realista?

Hans-Werner Sinn - Em retrospecto, temo que a resposta seja sim. O lançamento do euro foi decidido logo no contexto da reunificação alemã. Ele veio cedo demais e com muitos países. A unificação do leste e do oeste da Europa deveria ter sido absorvida, e o euro lançado em outro momento, com menos países.

Incluir nações com dívidas enormes e taxas de juro elevadas na moeda única foi um erro. Os problemas desses países não desapareceram. Até aumentaram. E, como as taxas de juro foram temporariamente reduzidas pela segurança artificial que o euro parecia criar, esses países emprestaram ainda mais do que antes.

Mas o fato é que hoje o euro é uma realidade. Na sua opinião, a moeda deve ser preservada?

Hans-Werner Sinn - Sim. No fim das contas, o euro tem seus méritos. Mas a questão é: como podemos preservá-lo? Deixando tudo como está? Na minha visão, seguir no caminho atual vai destruí-lo. Os desequilíbrios são muito grandes para ser resolvidos de maneira simples. Precisamos de outras soluções.

Por que as soluções disponíveis atualmente não são suficientes?

Hans-Werner Sinn - Despejar dinheiro em países que não são competitivos não é uma saída. Isso apenas adia a solução e mantém o desemprego em alta. Mas é justamente o que a União Europeia e o Banco Central Europeu estão fazendo. As soluções devem ser radicais. Precisamos encolher a zona do euro.

Como isso funcionaria?

Hans-Werner Sinn - Países que não conseguem se tornar competitivos na zona do euro devem ter a chance de sair temporariamente — e voltar mais tarde, quando tiverem desvalorizado sua moeda. Dentro do euro, eles não serão capazes de criar uma economia dinâmica e dar um futuro a seus cidadãos. A situa­ção atual na zona do euro não oferece esperança aos jovens gregos, por exemplo. Se os políticos mantiverem a Grécia no euro, eles estarão sacrificando uma geração inteira, que vai acabar sofrendo com um longo desemprego. Por causa do crédito barato que fluiu durante anos com a moe­da única, a Grécia se tornou um país caro demais — 64%mais caro do que a vizinha Turquia. Para diminuir os preços ao nível turco, seria necessário implementar programas de austeridade que poderiam causar uma depressão profunda e levar a Grécia à beira de uma guerra civil, o que seria irresponsável. O caminho grego para a competitividade é longo demais.

O mesmo pode ser dito sobre outros países da zona do euro?

Hans-Werner Sinn - Tudo depende do desempenho de cada nação. Se um país faz reformas, pode convencer os mercados de capitais de que está no caminho certo. A melhor prova disso é a Irlanda. Nos últimos cinco anos, a Irlanda diminuiu seus preços em 15% em relação ao restante da zona do euro e se tornou competitiva outra vez, com superávit em conta-corrente. O mercado reconheceu isso. As taxas de juro da Irlanda diminuíram enormemente e se separaram do resto dos países em crise porque o mercado mostra que tem confiança no caminho escolhido pelas autoridades irlandesas.

Vários economistas dizem que a saída da Grécia pode causar um efeito dominó, elevando o número de baixas na zona do euro. O senhor não teme uma situação como essa?

Hans-Werner Sinn - Esse é um medo justificado. Se permanecer dentro da zona do euro, a catástrofe grega pode durar para sempre. A população já sofreu excessivamente. A Grécia precisa de uma virada com mais crescimento e mais empregos, e isso só será possível com uma desvalorização da moeda. O risco de permanência no euro é muito maior do que o de saída. O risco de uma desestabilização dos mercados de capitais pode ser diminuído se tornarmos a saída um processo ordenado e que transmita esperança em relação ao futuro do país, com a possibilidade de voltar ao euro mais tarde. Uma coisa é certa: se a Grécia permanecer, a perda de bem-estar da população será ainda maior.

O projeto da Europa será o mesmo depois da saída de um país?

Hans-Werner Sinn - Não. Precisaremos ter uma visão mais realista do que podemos fazer na zona do euro e o que o euro pode alcançar. Vimos que a construção que escolhemos na Europa, de ter uma moeda comum sem restrições a empréstimos, não funciona. Uma moeda comum tem de ter restrições duras à concessão de empréstimos. Para fazê-lo, a Europa precisa imitar os Estados Unidos, onde os estados não podem imprimir dinheiro e dispõem de limites de dívida pequenos. É necessário construir os Estados Unidos da Europa, o que implica ter uma política externa comum, um único Exército, um Parlamento comum e poderoso baseado no princípio de um voto para cada representante e um único governo. Com isso, o poder dos Estados nacionais vai gradualmente perder força, e a região como um todo ganhará novo ímpeto. Assim, será possível oferecer segurança mútua contra dificuldades. Essa integração contaria com os países que estão no euro e com os que não estão.

E se o bloco não for nessa direção?

Hans-Werner Sinn - Um cenário possível é que o euro continue existindo e tenhamos um sistema de “mutualização” de dívidas (em que o conjunto dos países do euro responda solidariamente por essas obrigações). Se isso acontecer, os problemas que levaram a essa crise vão piorar cada vez mais. Outra possibilidade é o fim do euro com uma grande quebra.

Para Angela Merkel, "se o euro falhar, a Europa falha". O senhor concorda com essa colocação?

Hans-Werner Sinn - Não. O euro é algo que vale a pena apoiar e que pode ser útil, mas a Europa é mais do que isso. Ela existia antes do euro. Sem falar que há muitos países fora da união monetária. Uma das dificuldades com a abordagem atual é que algumas pessoas querem criar o Estado europeu em torno do euro. Isso dividiria a Europa em duas partes — os que estão dentro e os que estão fora. Não acho que essa seja a maneira certa de abordar a questão.

Há países fora da zona do euro que hoje parecem menos atraídos pela ideia de adotar a moeda única. Eles estão certos?

Hans-Werner Sinn - Por muito tempo, pensava-se que todo mundo queria entrar no euro. A realidade hoje é outra. Para induzir os países que estão fora, como a Polônia, a fazer parte, é preciso arrumar a casa. 

Angela Merkel tem realizado um bom gerenciamento da crise europeia até agora?

Hans-Werner Sinn - Dentro das limitações políticas que existem na Europa hoje, ela não foi tão mal. Mas poderia ter sido mais consistente e restritiva. Sob pressão externa, ela cedeu demais em princípios fundamentais do sistema europeu, como a cláusula de não salvamento dos países endividados. O problema não é a Angela Merkel. O problema é o forte interesse francês em que os outros países também assumam responsabilidade pela dívida para salvar o setor bancário da França. Esse é basicamente o maior erro cometido até aqui. Também não deveríamos ter despejado dinheiro na Grécia para ajudar os credores do país a escapar sem perdas.

Qual é o papel da Alemanha na crise atual?

Hans-Werner Sinn - É a maior economia da Europa, portanto pode ajudar — e, é bom que se diga, tem ajudado bastante. No entanto, a Alemanha sofreu muito com a criação da zona do euro. Apesar do fato de a economia alemã ter crescido nos últimos três anos, a atividade industrial ainda está fundamentalmente fraca. Há outros países na Europa que se beneficiam muito da estabilização dos mercados financeiros, como é o caso do Reino Unido, mas que não pagam um mísero centavo nas operações de resgate de bancos na Espanha, por exemplo. Mencionei o Reino Unido, mas poderia ter falado da Suíça. Há outros países cujo setor bancário está sendo protegido indiretamente por essas operações de salvamento. Se esses países apoiam o uso de dinheiro público nesses casos, deveriam dar o exemplo. Deveriam abrir a carteira.

O investidor George Soros disse que "a Alemanha deve liderar ou sair". O senhor concorda?

Hans-Werner Sinn - Certamente ele não quer que a Alemanha saia. Ele quer que a Alemanha pague. Entendo sua situação. Ele é um dos maiores investidores do mundo e talvez tenha apostas na Europa. Então, Soros prefere que os contribuintes na Alemanha paguem a dívida no lugar dos Estados endividados, que já não podem fazê-lo. Isso permitiria que ele saísse sem perdas. No entanto, investidores precisam poder falhar. Bancos precisam poder falhar. Uma parte muito grande da indústria financeira viveu com a ideia de que os lucros podem ser privatizados, enquanto as perdas devem ser socializadas. Na Europa, essa assimetria levou ao risco excessivo e à destruição do capital. Isso precisa terminar e só pode terminar se aqueles que tomam decisões erradas sofrerem perdas. É simples assim.

HANS-WERNER SINN. É presidente do prestigiado instituto de pesquisas econômicas ifo, com sede em Munique. Considerado o economista mais proeminente da Alemanha, Sinn é professor titular da Universidade de Munique, mas já lecionou em Stanford, Princeton e na London School of Economics.